Corte de 150 araucárias mostra como novo código ambiental de SC vai desproteger o ambiente

    Corte de 150 araucárias mostra como novo código ambiental vai desproteger ambiente
    Policiais militares flagraram o crime ambiental no final de dezembro em São Joaquim ainda sob a vigência da legislação antiga - PMA/Divulgação/CSC

    A Polícia Militar Ambiental flagrou em 26 de dezembro um corte ilegal de 150 araucárias em São Joaquim. A ocorrência, ainda sob a vigência do antigo código ambiental de Santa Catarina, é um exemplo do que vai ocorrer daqui para a frente, caso o novo código, aprovado pelos deputados estaduais, seja sancionado pelo governador.

    A Alesc aprovou o novo código no final do ano junto com o pacotaço de leis. O código ambiental de SC foi revisado a pedido da Fiesc e sob a pressão de setores agrícolas para que houvesse uma redução das exigências ambientais (ou mais “moderno”, como afirmam parlamentares), de forma a espelhar o código federal e garantir segurança jurídica a quem faz a supressão de vegetação no estado. Entre as mudanças há a redução da proteção das araucárias, vistas por parte dos produtores como um obstáculo nos campos e lavouras, e a redução da capacidade de fiscalização da própria Polícia Militar Ambiental.

    Nesse crime ambiental em São Joaquim, a PMA, dentro do processo administrativo, embargou a área e faz o encaminhamento da madeira e tábuas para doação. Os troncos apreendidos jamais voltam a quem cortou. Atualmente, sob o código ainda vigente, a PMA e o IMA (Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina) podem fazer a fiscalização da supressão de mata nativa, com autos de infração no viés administrativo e penal. O órgão que fez o flagrante segue com o processo até a decisão de primeira instância administrativa.

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    Sob o novo código a parte administrativa da polícia fica podada e o flagrante do corte ilegal das araucárias teria sido diferente, caso a nova legislação ambiental já estivesse vigente. “O que aconteceria nesse caso, nós apenas notificaríamos o Instituto do Meio Ambiente da possível existência de uma infração administrativa para que eles viessem ao local e daí fizessem a apreensão da madeira, o embargo da área e o auto de infração, se assim compreendessem, e todo o processo administrativo”, explica o capitão Marco Antonio Marafon, da Polícia Militar Ambiental.

    Sobre a restrição do poder de fiscalização, o policial afirma que “algumas questões ficam bem prejudicadas”. “Nesses casos de desmatamento, nós já embargamos o local, é a medida mais imediata, ficaria bem prejudicada, até acredito pela quantidade de funcionários que o IMA tem, não seria possível eles estarem em todas as ocorrências que nós flagramos. A atuação da Ambiental é feita em todo o estado”.

    flagrante de supressão de vegetação nativa em santa catarina - crime ambiental
    Policiais embargaram a área; madeira será doada e responsável irá responder criminalmente pelo desmatamento sem autorização – PMA/Divulgação/CSC

    A parte penal do processo a PMA poderá continuar exercendo, pelo novo código ambiental. “Verificado o crime, encaminhamos pra delegacia, se constatado o flagrante. Se a pessoa não estiver ali a gente dá o encaminhamento para o Ministério Público para tomar as medidas penais, quanto a isso não mudaria”, explica o agente, que acrescenta, “mas a questão administrativa, por exemplo nesse caso, não estaríamos fazendo nenhum auto de infração, encaminharíamos para o IMA para que, quando eles pudessem, fossem ao local dar algum tipo de infração”.

    Conforme Marafon, com a quantidade de flagrantes feitas pela Polícia Militar Ambiental em SC o IMA não conseguirá absorver a alta demanda de crimes ambientais. “De um modo geral é muito pesado pro instituto do Meio Ambiente fazer tudo isso sozinho, uma vez que a Polícia Militar Ambiental tem em torno de 300 a quase 400 policiais focados nessa atuação em todo o território catarinense”.

    Atualmente o IMA possui 240 fiscais distribuídos entre a sede, em Florianópolis, e as 16 coordenadorias regionais do estado, trabalhando em vistorias e fiscalizações. Em 2021 o instituto registrou 337 autos de infração lavrados referentes a corte de vegetação. Aos funcionários do IMA recairá o trabalho em dobro, como aprovado pela Alesc.

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    “Preservação da araucária significa extinção”

    Fora a redução da capacidade de flagrantes de crimes ambientais pelo Estado, a mata em si também terá menos proteção. Há, na nova legislação catarinense aprovada, o seguinte entendimento sobre as araucárias: “o atual processo de preservação total da espécie culmina na sua extinção“. Uma citação a um suposto estudo que ampara essa mudança no projeto de lei considera que é preciso fazer um “plano de manejo” para os fins comerciais da araucária, de modo que para preservar a espécie em extinção seria necessário permitir mais o seu corte, “devido à complexidade para regeneração natural“. A proposta tem origem em projetos similares dos deputados Milton Hobus e Nilso Berlanda.

    caminhonete da pma em área onde foram cortadas as araucárias
    Caso em São Joaquim é emblemático e mostra como decisão dos deputados estaduais vai afetar o meio ambiente, reduzindo o poder de fiscalização da polícia ambiental – PMA/Divulgação/CSC

    Sanção, com vetos

    “O mais importante projeto votado nesse ano”, como disseram alguns deputados da Alesc, o código ambiental teve ampla aceitação na votação em 21 de dezembro. O deputado Coronel Mocellin (PSL) ainda tentou manter a atribuição da Polícia Militar Ambiental em multar as irregularidades, mas a proposta foi rejeitada pela maioria dos deputados da Alesc.

    Agora, na mesa do governador Carlos Moisés, o PL 472/2021 é uma batata quente. O chefe do executivo ainda não sancionou o projeto, que é visto como problemático em partes pelo próprio governo, não apenas pela obsolescência da força policial. Há, também, o contrassenso da agenda política ambiental. Moisés voltou da COP26 com a orientação de trabalhos para a mitigação dos problemas que causam o aquecimento global e a supressão da vegetação nativa é um dos principais. Santa Catarina, por exemplo, já perdeu mais de 78% de sua cobertura original, a Mata Atlântica. O governador terá de optar por entrar em um embate com as entidades que representam produtores agrícolas e industriais, em geral alheios à conservação dos 22% restantes do bioma catarinense, ou corroborá-las. A sanção tende a ser com vetos e deve sair nos próximos dias.

    Por Lucas Cervenka – reportagem@correiosc.com.br

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