As diferentes abordagens aos agrotóxicos nas políticas públicas

    Com enfraquecimento de programas federais de controle, órgãos catarinenses se unem para conter aumento do uso e promover a agricultura orgânica

    pilha de embalagens de agrotóxicos onde há vários escritos nos vasilhames e símbolos de caveira
    IMA recolhe embalagens dos produtos utilizados na Grande Florianópolis para se enquadrar na Lei de Resíduos Sólidos - Foto: IMA/Divulgação

    Ao colocar mais uma vez o lucro de grandes empresas acima do bem-estar das pessoas, a Câmara dos Deputados caminha para aprovar o controverso PL 6.299/2002, popularmente chamado de “PL do Veneno”, por facilitar o uso de mais agrotóxicos nas lavouras brasileiras, muitos dos quais proibidos no mundo inteiro. O projeto de lei também altera vários pontos da Lei 7.802, de 1989, que regulamenta a pesquisa, produção, uso e fiscalização dos agrotóxicos no Brasil, flexibilizando a legislação.

    O caso, porém, não é único. A bancada ruralista nos últimos anos tem trabalhado em outros projetos de lei visando a facilitação do uso dos agrotóxicos (como o PL 3.200/2015, por exemplo) e a diminuição de políticas e ferramentas públicas de controle e prevenção a esses produtos. Uma das estratégias é mascará-los sob o rótulo de “fitossanitários”, outra foi a finalização do programa PARA (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos), da Anvisa, em 2015.

    Iniciado em 2001, o PARA era uma ação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), coordenado pela Anvisa em conjunto com os órgãos estaduais e municipais de vigilância sanitária e laboratórios estaduais de saúde pública. O PARA dava uma conjuntura nacional de esforços para demonstrar à população o que de fato se consome de agrotóxicos no Brasil.

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    Assim, sem o PARA, que não tem data de retorno prevista, e com o enfraquecimento de outros programas de redução do uso de agrotóxicos, outros entes têm buscado regionalmente trabalhar o tema.

    Na última semana, por exemplo, órgãos em Santa Catarina divulgaram diferentes perspectivas em relação ao uso dos agrotóxicos: IMA, Cidasc, Epagri, Alesc e o Ministério Público Federal em SC.

    Foco nas embalagens

    O Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), reiniciou a campanha “Campo Limpo”, que tem como objetivo recolher embalagens vazias de agrotóxicos em 14 municípios da Grande Florianópolis.

    Segundo o instituto, a ação “visa dar o destino correto para estes recipientes que apresentam alto potencial poluidor”. O trabalho não é pela redução ou aferição do uso do produto em si, mas se concentra apenas em recolher os frascos daquilo que já foi para os alimentos e para o meio ambiente, de forma a se adequar à lei 12.305/2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

    “Este produto contamina de forma significativa o solo, por isso a importância desta iniciativa que busca não apenas recolher, mas também alertar sobre a destinação correta (das embalagens)”, ressaltou o presidente do IMA, Alexandre Waltrick Rates.

    Venda de orgânicos

    O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) cumpriu a recomendação do Ministério Público Federal (MPF) em Santa Catarina, conforme inquérito civil instaurado pelo procurador da República Carlos Augusto de Amorim Dutra, e fiscalizou oito feiras livres de Florianópolis para investigar o comércio de produtos com agrotóxicos como se fossem orgânicos. Durante as fiscalizações, feitas entre o final de 2017 e junho deste ano, não foram encontrados produtos irregulares, diferentemente de outras ocasiões.

    De acordo com a Lei 10.831/2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica, produto orgânico é aquele obtido em sistema orgânico de produção agropecuária ou oriundo de processo extrativista sustentável e não prejudicial ao ecossistema local.

    Em fevereiro deste ano, o Coagre (Coordenação de Agroecologia e Produção Orgânica), informou ao MPF que a Superintendência do Mapa em Santa Catarina tem apenas dois auditores fiscais para a realização das atividades da área de orgânicos em todo o estado e que ainda são designados para auditorias em outras unidades da federação.

    Debate na Alesc

    Nesta segunda-feira (9/7), a Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa promoveu audiência pública para debater alimentação saudável e redução de agrotóxicos na produção de alimentos. O evento foi importante porque reuniu diversos órgãos que trabalham em frentes diferentes a questão dos agrotóxicos. Todos manifestaram repúdio ao PL 6.299/2002.

    De acordo com a promotora Greicia Malheiros da Rosa Souza, coordenadora do Fórum Estadual de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, desde 2010 o Ministério Público de Santa Catarina e mais de 30 entidades que compõem o fórum monitoram os resíduos de agrotóxicos nos alimentos no território catarinense.

    O monitoramento tem permitido não apenas fiscalizar e punir o uso de substâncias indevidas, mas também incentivar outras formas de produção e planejar a assistência técnica aos produtores, de acordo com a promotora. Mais de 400 termos de ajustamento de conduta (TAC) com supermercados e produtores foram firmados nos últimos anos em função desse trabalho.

    “A sociedade já tem conhecimento sobre os malefícios provocados pelos agrotóxicos. Precisamos debater o banimento dos agrotóxicos como estratégia de Estado”, defendeu o coordenador da Comissão de Produção Orgânica de Santa Catarina (CPorg), vinculada ao Ministério da Agricultura. Ele acrescentou que, mesmo com todas as barreiras postas e sem nenhum incentivo, o setor de agroecologia cresce de 15% a 20% ao ano no país.

    O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Ronald Ferreira dos Santos, analisou que é dever do Estado controlar e fiscalizar os produtos tóxicos. Ele considerou que o PL do Veneno e o PL que restringe a comercialização de alimentos orgânicos, aprovado na última semana pela Câmara dos Deputados, “são medidas que descontroem o processo que leva o interesse social em conta”.

    Participaram também da reunião representantes da Epagri, Cidasc, Câmara de Vereadores de Florianópolis, MPSC, a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), entre outros.

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