Projetos de restrições aos agrotóxicos em Santa Catarina dividem opiniões

Agrotóxicos contaminam os ecossistemas e prejudicam a saúde humana, porém Cidasc afirma que sem os insumos produções de banana e soja ficam inviabilizadas

proibicao de agrotoxicos em sc divide opinioes

Nesta quarta-feira (24) a Assembleia Legislativa de Santa Catarina divulgou que os deputados Luciane Carminatti e Padre Pedro Baldissera, ambos do PT, apresentaram este ano dois projetos de lei que versam sobre o uso de agrotóxicos no estado. Caso aprovados, ficará proibida a pulverização aérea de agrotóxicos e a fabricação, uso e a comercialização do ingrediente ativo Diclorofenoxiacético, ou 2,4-D.

As proposições têm recebido manifestações favoráveis e contrárias desde que foram divulgadas.

Carminatti argumenta, na justificativa do PL 10/2019, que dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) relatam que mesmo em condições ideais, como calibração, temperatura e ventos, o método de pulverização aérea faz com que, aproximadamente, 20% dos produtos agrotóxicos sejam dispersados para áreas fora da região de aplicação. Ela lembra também que o Ceará já proibiu a técnica.

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A proibição, uso e comercialização do agrotóxico Diclorofenoxiacético, o 2,4-D, também conhecido na história como um dos componentes do agente laranja, é uma iniciativa de extrema preocupação ambiental, argumenta o deputado Padre Pedro Baldissera, autor do PL 87/2019. Ele explica que o ácido é um herbicida seletivo e pouco se conhece sobre seus efeitos em diferentes ambientes. A composição química já foi proibida em países como Dinamarca, Noruega e Suécia. De acordo com o deputado, em 2014 o Ministério do Desenvolvimento Agrário tinha encaminhado à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) um parecer sobre o 2,4-D, que o aponta na categoria de “produto genotóxico, toxidade do sistema reprodutivo, neurotóxico e desregulador endócrino.”

Padre Pedro afirma ainda que “enquanto a União Europeia decide banir o uso de alguns agrotóxicos e restringir outros, no Brasil, lastimavelmente, temos diversas iniciativas que visam diminuir os controles e o rigor na aprovação e no emprego de agrotóxicos.”

Agrotóxicos têm consequências desastrosas para a saúde

O diretor clínico do Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Santa Catarina (CIATox/SC), Pablo Moritz, apoia os projetos dos deputados, porque o uso dos agrotóxicos em todo o mundo tem consequências médicas e ambientais desastrosas. Entre os anos de 1984 e 2018 foram registrados aproximadamente 250 mil atendimentos no CIATox/SC, que envolvem intoxicações por agrotóxicos.

Segundo Moritz, estudos recentes confirmam que mesmo quando aplicados na dosagem prevista legalmente, os resíduos dos agrotóxicos independem da quantidade, e sim da época da exposição das pessoas, principalmente gestantes e crianças, a esses produtos. “A contaminação por agrotóxicos está cada vez mais chegando a níveis assustadores e resultando numa série de doenças, atingindo não só o homem do campo como a todos”, completa. Ele lembra que no Brasil há mais de 500 produtos agrotóxicos comerciais e que a maioria, além do produto principal, tem seus coformulantes, que são altamente cancerígenos e não são divulgados como deveriam.

Moritz diz ainda que os agrotóxicos atingem também o meio ambiente. Após ser pulverizados nas plantações, os agrotóxicos penetram no solo, tornando-o menos fértil e, com o auxílio da chuva e dos sistemas de irrigação, chegam aos lençóis freáticos e rios, contaminando a água próxima ao local.

Pablo Moritz - Foto Rodolfo Espinola Agencia AL
Diretor clínico do Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Santa Catarina, Pablo Moritz – Foto: Rodolfo Espínola/Agência AL

Com o uso dos agrotóxicos, o médico aponta quatro consequências: o surgimento de casos de câncer em vários órgãos, a neurotoxicidade, a desregulação hormonal e a disbiose intestinal, desequilíbrio da flora bacteriana intestinal que reduz a capacidade de absorção dos nutrientes e causa carência de vitaminas, aumentando casos de alergias, intolerância ao glúten e reumatismo.

O médico acrescenta ainda que estão contaminados alimentos como cereais, inclusive sucrilhos, cerveja, cevada, pão, bolachas, leites e derivados, que devem ser evitados legumes e frutas brilhosos e grandes, como morangos, mamão, tomate, pimentão, maçã, arroz e feijão.

Para reduzir o consumo de agrotóxico em alimentos, o consumidor deve optar por produtos com origem identificada, e evitar produtos que não são da época, que vêm de longas distâncias. Essa identificação aumenta o comprometimento dos produtores em relação à qualidade dos alimentos, com adoção de boas práticas agrícolas. Alimentos orgânicos também são uma boa opção, pois não se utilizam produtos químicos na produção.

Projetos inviabilizam produções em Santa Catarina, diz Cidasc

Para o gestor da divisão de fiscalização de insumos agrícolas da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), Matheus Mazon Fraga, a aprovação dos projetos de lei inviabilizaria as culturas de banana e de soja em Santa Catarina.

Ele explica que atualmente Santa Catarina conta com 200 mil propriedades agrícolas, com uma média de 50 hectares, 950 estabelecimentos comerciais autorizados a comercializarem 1.250 marcas de agrotóxicos, que geram anualmente 1,2 milhão de receituários agrônomos. Todos, segundo o técnico, são fiscalizados pela Cidasc, que recolhe 630 amostras de 21 culturas diferentes, que resultam num índice de inconformidade de 20%, número inferior ao do Brasil, que gira em torno de 30%. Fraga diz que por meio do programa Alimento sem Risco, utilizado desde 2011, esse índice de inconformidade vem se reduzindo e a meta é chegar a 8%. “A maioria dos problemas é o uso de agrotóxico sem autorização e acima do permitido. A figura chave de tudo isso seria a orientação e assistência técnica dos agrônomos para evitar esses problemas”.

Matheus Mazon Fraga - Foto Rodolfo Espinola Agencia AL
Matheus Mazon Fraga, da Cidasc, diz que projetos que vedam agrotóxicos inviabilizam algumas culturas em SC – Foto: Rodolfo Espínola/Agência AL

Para Matheus Fraga, o modelo atual da agricultura e economia do estado, como do Brasil, não permite a mudança do uso desses agrotóxicos para uma cultura orgânica em geral. Ele relata que em Santa Catarina atualmente há cerca de mil produtores de produtos orgânicos, que representam 0,5% da agricultura catarinense. “O nosso modelo atual, de produção de commodities, afeta a balança comercial, e a mudança teria que ser muito discutida e precisariam ser apresentadas alternativas aos agricultores para mudar toda uma cadeia produtiva.” O gestor da Cidasc lembra ainda que Santa Catarina é o 9º consumidor de agrotóxicos do país, consumindo 2,5% ou 25 mil toneladas de agrotóxicos por ano produzidos no Brasil.

Sobre o projeto que veda a pulverização aérea de agrotóxicos no Estado, Matheus Fraga diz que a Cidasc já foi consultada e a orientação é de que precisaria de mais discussões técnicas, lembrando que o uso do método em Santa Catarina é focado principalmente na rizicultura e na bananicultura, cuja produção é costumeiramente feita em terrenos inclinados, o que inviabiliza o uso do trator.

Sobre o projeto do Padre Pedro, Fraga reconhece que o 2,4-D é o segundo agrotóxico mais consumido no país e no Estado, mas que pelo atual modelo agrícola e econômico a proibição afetaria a produção de soja, uma das principais commodities catarinenses, cultivada nas regiões do Meio Oeste e Oeste.

Enquanto isso, um grupo de 30 órgãos públicos debate a análise da água de todos os municípios catarinenses para verificar a presença de agrotóxicos no abastecimento.

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