Por José Carlos Abissamra Filho*

Segundo o artigo 144 da nossa Constituição Federal, a segurança pública é um dever do Estado e um direito e responsabilidade de todos, e é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Nas cidades, sente-se mais a presença da polícia militar e da guarda civil metropolitana, eis que, muito embora tenham funções distintas, são as que se mostram mais presentes. No entanto, sem negar a imprescindibilidade da atuação policial, a segurança pública não se resume somente a essa atuação estatal.

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Ao tratar do assunto em âmbito municipal – tema que certamente pautará o debate das eleições que se avizinham -, um recorte é falar sobre um ambiente saudável, limpo, iluminado, acolhedor; parece muito, mas já imaginaram andar pelas ruas sem os constantes temor e vigilância? Os mais antigos falam dessa cidade imaginária, algo que a maioria da nossa população não viu.

Parece inusitado, mas Michael C. Pollack, professor da Benjamin. N. Cardozo School of Law, em artigo intitulado We Need a Department of Sidewalks, indaga se não seria o caso de criar um departamento das calçadas.

Hoje, em pleno século XXI, há, nas calçadas de nossas capitais, não uma ou duas pessoas, mas famílias inteiras pedindo dinheiro, o que decorre de uma clara ausência de política social e econômica, em flagrante violação ao artigo 3º, I, da nossa Constituição Federal, ao estabelecer que constitui um dos objetivos fundamentais de nossa república construir uma sociedade livre, justa e solidária.

A violência das grandes cidades não envolve somente investidas físicas de pessoas contra pessoas, mas também um ambiente de constante hostilidade; em outras palavras, nossa sensação de insegurança não decorre somente da criminalidade, mas do descaso também, da insensibilidade.

Pensando somente nas calçadas, além de bicicletas (da molecada dos aplicativos tentando ganhar a vida ou de pessoas muito bem colocadas na sociedade), verificamos motocicletas invadindo, de repente, esse local que deveria ser somente para pedestres. É como se não houvesse nenhuma regra em nossa convivência.

Ao andar pela cidade, temos que superar os buracos, lixos espalhados, obras em andamento, tratando-se de um grande desafio, especialmente quando se está de cadeira de rodas, empurrando carrinho de bebê ou caminhando com crianças ou idosos.

Vários fatores interferem diretamente na segurança pública e nem todos eles são criminais. Em muitas localidades, seria mais interessante ter um guichê com assistentes sociais do que um batalhão da polícia.

Muitas das demandas que chegam às nossas polícias não são relativas a fatos criminosos, mas à ausência de outro órgão estatal a quem recorrer. Ou já esquecemos daquele garoto que ligou para o 190 dizendo que a sua família estava com fome, pedindo a ajuda da PM?

A população confia nas nossas polícias, instituições que gozam de grande prestígio, e, como já havia destacado Nils Christie, consagrado sociólogo e criminólogo norueguês, em uma sociedade anônima, muitas vezes, “funcionários das agências de controle se transformam na única alternativa”.

Não à toa, muitas das ligações recebidas pela Polícia Militar não decorrem de ações criminosas. Não é raro o delegado de plantão receber “queixas” que não dizem respeito a crimes, mas a fatos cuja natureza seja administrativa ou civil, como, por exemplo, corte de energia, de água, ou disputa pela construção de um muro.

O nosso convite, iniciando esse ano de eleições municipais, é aos pré-candidatos, para que busquem soluções novas, a começar pelas nossas calçadas. Se andarem a pé pelas nossas cidades, provavelmente entenderão sobre o que estamos falando.

*José Carlos Abissamra Filho – É advogado criminal, Doutor e Mestre pela PUCSP, foi diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) por quase uma década e é autor de, entre outros, Política Pública Criminal – Um Modelo de Aferição da Idoneidade da Incidência Penal e dos Institutos Jurídicos Criminais, livro lançado em agosto pela Juruá Editora.

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