Operação Presságio: Polícia identificou depósitos em dinheiro e investiga 11 pessoas

A partir de crime ambiental foram descobertas mais irregularidades e valores incompatíveis em contas pessoais

Operação Presságio
Operação Presságio investiga contrato de coleta de lixo feito sem licitação em Florianópolis em 2021 - Foto: PCSC

O processo aberto pela Polícia Civil que deu origem à Operação Presságio, ao qual o Correio teve acesso, detalha a atuação de investigados em um possível esquema de corrupção em Florianópolis. São 11 pessoas arroladas na investigação, com os ex-secretários Fábio Gomes Braga e Edmilson Carlos Pereira Junior no centro dos acontecimentos, além do ex-presidente da Comcap Lucas Barros Aruda e dos donos da Amazon Fort, Carlos Gilberto Xavier Faria e seu filho, Iuri Daniel Serrate Faria. No curso da investigação, porém, diversos indícios de crimes foram encontrados.

O inquérito é da Delegacia de Investigação de Crimes Ambientais e Crimes Contra as Relações de Consumo (Dcac), sob o guarda-chuva da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic). Na peça, é detalhada a forma como iniciou a investigação: com um crime ambiental, feito quando a Comcap, sob a chefia de Lucas Arruda, permitiu que a empresa terceirizada Amazon Fort, contratada para cobrir a greve da Comcap em Florianópolis, fez um transbordo irregular de lixo atrás da Passarela Nego Quirido, a poucos metros do mar.

A partir daí a Dcac descobriu que Arruda facilitou a operação da Amazon Fort de modo suspeito, contratando mais um pátio irregularmente no norte da ilha, sem licitação, para o transbordo e utilizando mão de obra do município para a operação da empresa – em tese, segundo a polícia, diminuindo os custos e aumentando a quantidade de toneladas coletadas, uma vez que as terceirizadas em Florianópolis recebem por peso.

Publicidade

A Polícia Civil então passou a monitorar a relação de Arruda, na Comcap, com a empresa, que se mostrou mais longa do que o necessário. A Amazon Fort teve assinados dois contratos com a prefeitura, que foram várias vezes postergados e aditivados por Fábio Braga, secretário de Meio Ambiente, chegando ao valor aproximado de R$ 29,9 milhões entre o início de 2021 e novembro de 2022, quando as contratações “emergenciais” finalmente acabaram. Foi descoberto que as contas bancárias de Lucas Arruda tiveram movimentações de aproximadamente R$ 2,7 milhões, incompatíveis com seu salário de R$ 10 mil na prefeitura.

A investigação relata que a Amazon Fort já tinha o contrato assinado antes mesmo da chamada pública, feita dias depois, na qual três empresas se habilitaram, porém nenhuma conseguiu o contrato do município. A suspeita é de que já havia um acordo para a Amazon Fort ser contratada pela Prefeitura de Florianópolis, uma vez que a empresa anunciou no Facebook em 29 de dezembro de 2020 vagas para trabalhar na coleta de lixo na capital, cerca de um mês antes da greve e antes do legislativo autorizar operações desse tipo na cidade. Para os investigadores, os agentes públicos envolvidos sabiam que havia a possibilidade de uma greve contra o pacote de privatização e se anteciparam em fazer acordo prévio e ilegal com uma empresa que não tinha até então qualquer serviço prestado no sul do país, mas sim diversas denúncias de irregularidades por onde passou.

Os investigadores descobriram que os donos da empresa e seu advogado, Andrey Cavalcante de Carvalho, sacaram até R$ 500 mil em dinheiro vivo em Florianópolis meses antes, em setembro de 2020. No processo os investigadores relatam que esse dinheiro possivelmente seria usado para pagamento de propina. Por causa das movimentações financeiras, o advogado foi também arrolado na investigação. Para a polícia, Lucas Arruda facilitou a operação da Amazon Fort em Florianópolis de modo a empresa conseguir coletar mais lixo, já que era paga por tonelada recolhida; por isso, por exemplo, a região do Continente foi passada à terceirizada, pois tem maior densidade populacional e é mais próxima ao pátio onde a empresa deveria fazer o transbordo corretamente, em Palhoça.

Ed Pereira é investigado a fundo

Edmilson Pereira entrou na investigação quando, em “tocaia” para acompanhar a chegada dos donos da Amazon Fort em Florianópolis em abril de 2021, o primeiro local que visitaram foi a sua secretaria, na Passarela Nego Quirido. Depois, a quebra de sigilo bancário encontrou um repasse de R$ 49.990 feito por Carlos Gilberto Xavier Faria para Gilliard Osmar dos Santos, braço direito e assessor de Ed Pereira. No mesmo dia os donos da empresa de coleta estiveram em outro prédio da prefeitura e, segundo a investigação, seria para encontrar Arruda e Braga. Nos meses seguintes houve os diversos aditivos contratuais, sempre com a alegação de situação emergencial.

Pereira também passou a ser investigado mais a fundo, com a Polícia descobrindo movimentações de pelo menos R$ 870 mil em suas contas bancárias (outras ainda precisam ser analisadas) e movimentações suspeitas na ONG que ele criou em 2005, o Instituto Lagoa Social, que depois virou o Instituto Bem Possível, uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), feita para “angariar mais fundos”, como a própria conta em seu website.

Essa organização, que recebe dinheiro público para projetos, tem indícios de irregularidades nas prestações de contas e já foi condenada pelo TJSC a devolver R$ 98 mil, sob responsabilidade de Edmilson Pereira, quando era presidente. O atual, Bernardo Fernandes Santos, também foi arrolado na investigação. Outros dois assessores ligados a Edmilson – Gustavo Evandro Silveira Albino, assessor parlamentar na Câmara de Florianópolis, e afastado do cargo; e Rene Raul Justino – também são investigados por terem seus nomes relacionados com a Oscip. Para a polícia, Edmilson Pereira é quem tem o controle da Oscip e coloca outros nomes para esconder seu real controle, como “testas de ferro”. O processo não demonstra se há alguma relação do Instituto Bem Possível com a empresa Amazon Fort.

A polícia descobriu, a partir da quebra de sigilo bancário, que Edmilson e a esposa, Samantha Santos Brose, tem movimentações incompatíveis com as rendas no poder público. Samantha, por exemplo, recebia pouco mais de um salário-mínimo e teve movimentações de cerca de R$ 324 mil em curto período de tempo por receber ao menos 55 depósitos em espécie, pulverizados em pequenos valores para ocultar quem fez o depósito.

Diversos pequenos saques e depósitos foram encontrados no curso da investigação, a maioria de até R$ 2 mil, por causa de uma técnica chamada “smurfing”, na qual esses valores não demandam a identificação do depositante. Alguns até foram identificados, a partir de Gilliard e Rene, por isso seus nomes constam no inquérito. A investigação da Operação Presságio, porém, pode ter encontrado outros crimes articulados por Pereira sem relação com a coleta de lixo, e sim com repasses da secretaria que era chefe para o instituto que controlava.

“Entre os anos de 2021 e 2023 o Instituto recebeu valores aproximados à R$ 214.000,00, repassados pela Fundação Municipal de Esportes, entretanto, tais cifras podem ser muito acima disso, visto que a equipe de investigação encontrou dificuldades em localizar dados em fontes abertas, nem mesmo conseguiu obter melhores informações nos portais de transparência da Prefeitura Municipal de Florianópolis”, relata o processo inicial.

Contraponto

O Correio SC questionou à Amazon por que anunciou vagas em Florianópolis antes da lei que permitiu terceirização em Florianópolis e por que houve uma transferência de quase R$ 50 mil para um dos assessores de Ed Pereira; até o fechamento desta matéria não houve as respostas. Anteriormente, porém, a empresa emitiu nota afirmando que “os serviços prestados na capital do Estado de Santa Catarina, nos anos de 2021 e 2022, foram realizados com estremo grau de excelência e transparência” e que “não há qualquer crime a ser apurado, o que será devidamente esclarecido no momento oportuno”.

Em nota a outros veículos de imprensa, Gustavo Evandro Silveira Albino afirma que não tem participação alguma no esquema pelo qual é investigado e que procura colaborar com a investigação. Ele afirma que seu envolvimento na investigação é por mero envolvimento com o Instituto Bem Possível.

Em nota a outros veículos de imprensa, a defesa de René Raul Justino afirmou ter recebido a investigação com “tranquilidade, por entender que ele é citado no processo apenas por ser funcionário vinculado à secretaria então chefiada por um dos principais investigados (Ed Pereira)” e que Justino não tem envolvimento com qualquer ato ilícito; ele entregou um pedido de exoneração.

No Instagram, o ex-secretário Edmilson Pereira afirma que recebeu com surpresa a investigação e que seu nome “só aparece na investigação por que lá na época, em 2021, eu era secretário de Esporte, Turismo e Cultura de Floripa”. “Quero acreditar que é pura coincidência que em 2024, ano de eleição, essa investigação avance”.

Em recado nesta sexta-feira à noite no Instagram, o ex-secretário Fábio Braga afirma que não contratou a Amazon Fort porque sua nomeação só ocorreu um mês depois do fato (a primeira assinatura de contrato, em janeiro). “Durante o tempo que fui secretário, o contrato estava regular, inclusive a renovação passou por todo o jurídico da prefeitura, foi aprovado pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público. Ele acrescenta que a reunião de secretário com fornecedor é função comum, feita “de portas abertas, nunca sozinho”, que quem pesava os caminhões de lixo eram os servidores efetivos da Comcap e que não há qualquer irregularidade que praticou nos contratos. “Como vocês viram, está tudo documentado e é isso que eu vou apresentar. Ao delegado e à justiça, a todos”.

A reportagem não localizou contatos de Samantha Brose, Lucas Barros Arruda, Bernardo Fernandes Santos e Gilliard Osmar dos Santos para dar explicações.

Para todos os investigados citados o espaço está aberto para dar seus posicionamentos.

Por Lucas Cervenka – reportagem@correiosc.com.br

Publicidade
COMPARTILHAR