Pesquisadores da UFSC falam da importância e desafios da pesquisa e desenvolvimento em vacinas

    Parte da vida dos brasileiros desde o nascimento, as vacinas imunizam não só o indivíduo mas toda a comunidade; fortalecimento do campo de imunizantes depende de investimentos públicos

    Por Ana Ritti – redacao@correiosc.com.br

    Chamada de mal do século XIX e peste branca, a tuberculose era como uma sentença de morte para os infectados pela bactéria que afeta os pulmões. Transmitida pelo ar de pessoa para pessoa, a doença, que tem entre seus sintomas a perda de peso, tosse (às vezes com sangue) e febre foi a causa mortis de grandes figuras históricas, como o imperador Dom Pedro I e o poeta catarinense Cruz e Sousa, ambos falecidos aos 36 anos. Hoje, a tuberculose ainda atinge a população brasileira. Foram 73.864 novos casos em 2019, mas a mortalidade vem caindo. Em 2018, foram 4.490 mortes pela doença, queda de 8% na última década, segundo dados no ministério da saúde. Isso se deve aos tratamentos desenvolvidos ao longo dos anos com remédios e com a prevenção, por meio da vacina BCG, aplicada logo ao nascer.

    As vacinas são fundamentais na proteção do indivíduo e de sua comunidade. Por meio delas, foi possível erradicar a varíola e busca-se a erradicação da poliomielite (paralisia infantil), que teve o último caso registrado no Brasil em 1989, mas ainda causa preocupação pelas baixas coberturas vacinais nos últimos anos. Assim como a vacina de polio e BCG, outras fazem parte da caderneta de vacinação do brasileiro, como exemplo as que combatem a febre amarela e a hepatite B, além das campanhas anuais de vacinação contra a gripe. 

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    Neste ano, com a pandemia da Covid-19, as vacinas voltam a ser tema de discussões e dúvidas em relação ao seus processos de pesquisas e desenvolvimento até chegar ao público. Santa Catarina contribui na produção científica e atualmente pesquisadores da UFSC estudam uma possível vacina para a Covid-19 a partir da recombinação da BCG.

    Como funciona uma vacina

    No mundo, há vários tipos de vacinas que combatem diferentes microrganismos, tais como vírus, bactérias, protozoários, entre outros. A vacina é uma preparação inofensiva que prepara o organismo humano para responder caso tenha contato com microrganismos que causam doenças. As vacinas são desenvolvidas a partir do microrganismo morto, pedaços dele ou apenas sua informação genética e cada formato induz a uma resposta diferente. “Do mesmo jeito que nós respondemos de forma diferente contra o vírus que causa a gripe e o vírus que causa desarranjo intestinal. Os dois são vírus, mas contra a gripe a gente responde com febre e com tosse, e contra o desarranjo respondemos com dor de barriga, vômitos ou diarreia. Nosso corpo escolhe qual é a forma adequada de responder às infecções. Algumas vezes, porém, o corpo não consegue achar o caminho certo para se livrar da infecção e por isso precisamos ter vacinas, para mostrar ao corpo o caminho certo de responder”, explica o professor Oscar Bruna-Romero, do departamento de microbiologia, imunologia e parasitologia da UFSC.

    Algumas vacinas têm dose única e outras precisam de mais aplicações ao longo da vida. O professor explica que as de dose única conseguem reproduzir fielmente a resposta protetora para a infecção, como a BCG, já as de mais aplicações geram mais respostas ao mesmo tempo, quando se busca uma resposta particular, e por isso são necessárias outras doses para alcançar uma resposta de alta proteção. Além disso, para gerar uma proteção por mais tempo é feito o reforço vacinal, com administração repetida, para treinar o organismo para lembrar a resposta, como a vacina da gripe, disponibilizada anualmente.

    vacinas: pessoa usando luva aplica dose de vacina em braço de uma senhora
    Vacinas são desenvolvidas em diversas fases; o investimento público em pesquisa é fundamental para o campo – Marcello Casal JR/Agência Brasil/Divulgação/CSC

    Para uma vacina chegar ao público ela passa algumas etapas. A primeira é pré-clínica e as pesquisas identificam o agente causador da doença e busca em pequenos animais uma resposta imunitária parecida com a do ser humano. Na segunda etapa, ocorrem três fases: a primeira para testar a segurança da vacina e suas doses e formulações em um grupo pequeno de humanos; a segunda para testar a eficácia e formas de administração em um grupo de centenas de pessoas; e a última visa a capacidade de proteção em milhares de seres humanos e então pede-se a permissão para administração ao cidadão. Por fim, há uma fase que ocorre depois da comercialização, em que se busca qualquer efeito adverso na população geral. Independente da pressa para a imunização, toda vacina deve passar por todas as etapas exigidas.

    Os desafios e investimentos no desenvolvimento de vacinas  

    A produção de uma vacina é um processo que passa por etapas cuidadosas, que vão da pesquisa às análises pós-comercialização, o que pode levar anos. Além disso, são necessários incentivos à ciência. 

    Quanto maior o interesse no resultado de uma vacina, mais incentivos financeiros ela pode ter. No caso de uma doença que tenha uma transmissibilidade no mundo, por exemplo, os investimentos podem partir de muitos clientes, como multinacionais farmacêuticas. Já se for uma vacina de pouco interesse, as pesquisas podem ser desenvolvidas com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), organizações internacionais, fundações de financiamento e instituições públicas, como as universidades que podem colaborar mutuamente. No Brasil, esses trabalhos costumam ser financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e fundações de pesquisa, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Santa Catarina (Fapesc), em nível estadual.

    Fora as ações pontuais, no geral a falta de investimentos é uma limitação para quem trabalha com ciência. O professor Romero aponta que nos últimos anos falta investimento do governo nas pesquisas, além de problemas estruturais como a importação de reagentes para as pesquisas. Outra preocupação que ele aponta é a falta de entendimento da necessidade de usar modelos de animais para testar a segurança e eficácia de vacinas, uma forma de evitar efeitos adversos em humanos.

    Para chegar ao público, a vacina precisa passar por todas as etapas, independente da pressa para proteger a população de alguma doença. Por isso, Romero destaca a importância e credibilidade das instituições científicas nos processos para chegar em uma imunização. “As instituições científicas não apareceram ontem ou nas últimas eleições, mas tiveram que demonstrar a sua capacidade para realizar ciência durante dezenas ou centenas de anos, e seguem um método científico cujas conclusões não podem ser modificadas por interesses políticos ou econômicos emergenciais”.

    Para as instituições alcançarem essa credibilidade contam com o trabalho fundamental dos cientistas. Sobre suas experiências nas pesquisas científicas, Romero conta que já participou do desenvolvimento de cerca de 20 vacinas e dos desafios a cada doença. “Algumas foram para doenças causadas por vírus como citomegalovírus, o adenovírus, ou o vírus da gripe, outras para parasitos como a malária, a doença de chagas ou a leishmaniose e até para fungos como o agente da paracoccidioidomicose (o paracoco brasileiro). A experiência foi um desafio diferente a cada vez porque para cada uma dessas doenças existia um mistério envolvido sobre qual seria o verdadeiro mecanismo imunitário que conseguia proteger contra elas. Resolver esse dilema e tentar achar meios de induzir proteção duradoura contra essas doenças foi uma das coisas mais interessantes de fazer em ciência do meu ponto de vista.” 

    Participação catarinense e a vacina da Covid-19

    Segundo Romero, o estado não tem uma grande tradição no desenvolvimento de vacinas, mas a UFSC contribui com grupos de pesquisa, além de coordenar os estudos para uma possível vacina contra a covid-19. Atualmente, ele e seu grupo pesquisam sobre vacinas, mas para o coronavírus se dedicam ao desenvolvimento de um kit de diagnóstico rápido. Já seus colegas de departamento, André Báfica e Daniel Mansur, buscam desenvolver uma vacina contra a Covid-19, usando como base a vacina da tuberculose. O professor ainda acrescenta o trabalho no hospital universitário, em que o grupo de pesquisa tenta desenvolver vacinas que possam interferir na multiplicação do coronavírus.

    O professor André Báfica, do departamento de microbiologia, imunologia e parasitologia da UFSC, coordena o projeto e explica que a vacina tem como base uma BCG recombinante, em que a BCG expressará antígenos do Sars-Cov-2 para indução de uma resposta imune contra esse coronavírus. Atualmente, a vacina está em fase de testes para confirmar o nível de expressão dos antígenos de Sars-Cov-2, além de buscar ferramentas para a testagem em camundongos, para testar a imunologia e virologia e investigar se a vacina tem capacidade de proteção contra o vírus. Ainda assim, ele destaca que é cedo para falar de um produto dessa vacina, uma vez que a regulamentação no país é “complexa e demorada” e o projeto foi aprovado para o desenvolvimento de um protótipo.

    Entre as principais dificuldades do processo de pesquisa, Báfica aponta que, por ser uma doença nova, faltam dados científicos básicos sobre a resposta imune ao vírus, apesar dos avanços na descrição básica da interação de Sars-Cov-2 e o sistema imune humano. O professor, que já participou de pesquisas para tuberculose, HIV e dengue, aponta que o processo da vacina para o coronavírus é similar, envolvendo “muito trabalho, expertise adequada e uma rede de colaboração eficiente”.

    A pesquisa é realizada com parceiros nacionais e internacionais e ter a participação catarinense é importante para a ciência no estado. “Esperamos que ter a UFSC coordenando o desenvolvimento desta vacina seja um passo fundamental para implementarmos uma plataforma para estudos e avanços de vacinas humanas mais eficazes aqui em SC”, comenta.

    Vacinas à Covid

    O Brasil firmou parceria com o consórcio Oxford/Astrazeneca para a aquisição e produção de 100 milhões de doses de vacina contra a Covid. A além dessa encomenda, há tratativas federais com outras farmacêuticas, como Pfizer e a Janssen (subsidiária da Johnson & Johnson). Nacionamelnte, porém, ainda não está claro o plano de vacinação para encerrar a pandemia. A Anvisa divulgou nesta semana as regras para as autorizações emergenciais de vacinas em caráter experimental.

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