Slam Continente: A poesia está viva e batalhando na praça

    Slam Continente é um grupo de batalhas de poesia que se reúne em São José; foi o primeiro de seu gênero em Santa Catarina

    Garota negra lê uma poesia em seu celular de pé no centro de uma roda de espectadores numa praça
    Thays Vieira venceu a 19ª edição: “como teremos mudanças se não aceitarmos todos como são?”, dizia seus versos - Foto: Lucas Cervenka/CSC

    A praça Eugênio Raulino Koerich, no Kobrasol, tem várias denominações populares. É comum ser referenciada como praça do ônibus, ou praça do Melão, a depender de quem a frequenta, se é para pegar o transporte coletivo, ou para atravessá-la e chegar ao colégio municipal Maria Luiza de Melo, o “Melão”. São muitos usos deste espaço público e que poderia ser denominado também como praça da poesia.

    Quinzenalmente, um grupo de poetas – vivos, diga-se de passagem – se reúne para entoar em coro: “Poesia que limpa a alma e abre a mente, Slam Continente!”, antes de cada poeta vir ao centro da roda para declamar seus versos. O ato faz da praça um local de produção de cultura literária e popular de qualidade.

    Os Slam são eventos de batalhas de poesia oriundos de periferias estadunidenses da década de 1980, que se popularizaram pelo mundo. Hoje, a cena é presente em diversos pontos da Região Metropolitana de Florianópolis, como em grande parte do Brasil.

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    O Slam Continente, com “sede” na praça Eugênio Raulino Koerich desde junho de 2017, foi o primeiro em Santa Catarina. A ideia foi trazida pelo rapper e poeta Daniel “Dekilograma”, o Dkg, de Porto Alegre, onde os campeonatos de poesia são comuns.

    “Começamos aqui e logo juntou gente de várias cidades, que foram criando outros Slams, como o Slam das Tribos, em Biguaçu, e o Slam Agenda e Slam Ensina, em Florianópolis”, conta Daniel Dkg.

    Sentado em um dos espaços da praça, enquanto famílias levam suas crianças ao parquinho e trabalhadores passam de um lado para outro voltando para casa, Dkg recebe cada poeta que chega. Ele organiza a batalha da noite, e para começar, seleciona cinco jurados.

    Homem gesticula com as mãos no centro de espectadores
    O rapper Daniel Dkg agita a cena poética em vários cantos da Região Metropolitana – Foto: Lucas Cervenka/CSC

    A coisa, a princípio, parece pequena, mas conforme o tempo passa agrega mais gente. Muitos estão só para assistir, outros aguardando o momento de soltar aqueles versos íntimos de protesto, crítica, fúria, sátira, amor e contracultura.

    Como funciona o slam

    O campeonato funciona em três etapas, nas quais cada poeta recebe cinco notas, tira-se a maior e a menor e é feita uma média. Os resultados vão eliminando quem fica com somas menores. Pela qualidade dos versos, são batalhas concorridas. Em média, 20 poetas chegam a declamar em cada edição. Alguns usam uma “cola” no celular, outros soltam o verbo andando em círculos no freestyle. Nenhuma poesia é menos verdadeira.

    Homem gesticula declamando poesia no centro de espectadores em roda numa praça
    Mano Ray Souza: “No colégio a gente aprende o que é poema, aqui a gente faz poesia” – Foto: Lucas Cervenka/CSC

    Na 19ª edição Slam Continente, em 10 de abril passado, não foi diferente. Muitos dos eliminados declamaram versos tão potentes que os fazem poetas de fato – poetas vivos, para lembrar. São em geral jovens negros e negras, o que confere ao Slam a caraterística de movimento da cultura negra, mas não só, pois o Slam é plural.

    Chega a etapa final e estão classificados Laís, Thays e Ray (todos vivos, lembre-se). Mas antes, muitos informes – eventos da cultura negra, outros slams, encontros, saraus, rolês, e o lançamento ali mesmo do livro de Laís Gonçalves de Andrade, uma das organizadoras e finalistas, intitulado “Delírios em Versos”, uma suada produção que ela comercializa por R$ 10.

    A praça é do povo

    Daniel Dkg também relembra a repressão policial que tem ocorrido contra o movimento em outros encontros. “Vamos continuar usando essa praça, que é pública. Se vão reprimir, vamos nos manter”, diz o cantor. Dkg também vive de sua arte lírica. Recentemente lançou o álbum de rap “Mantenha a Esperança”, com 14 músicas autorais, que tratam bastante desse cotidiano violento.

    Na final, Thays Regina Vieira, que também faz parte do Slam das Tribos, venceu Laís de Andrade, que não deixou de verter lágrimas suas e de espectadoras. “Eu não sou a neta da bruxa que vocês tentaram queimar, sou a neta da índia que vocês tentaram catequizar”, dizia a poesia de Thays. Ela ganhou uma vaga no Slam SC, um curso técnico, um ingresso para uma festa em apoio à homologação da TI Morro dos Cavalos e “uma vaga no coração”, como deixou claro Dkg.

    Grupo de jovens com a mão direita cerrada em punho levantada em sinal característico do movimento negro
    “Poesia que limpa a alma e abre a mente: Slam Continente!” entoam poetas e espectadores – Foto: Lucas Cervenka/CSC

    Na próxima semana, dia 24/4, terça-feira, o Slam Continente volta a se reunir na praça da poesia para sua 20ª edição, que concederá mais uma vaga no coração a quem ganhar e muitos sorrisos a quem for assistir. Para participar, é só chegar com sua poesia autoral em mãos e se inscrever na hora, a partir das 19h.

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