Moisés sanciona sem vetos novo código ambiental de SC

Flexibilização das regras é um avanço sobre a natureza

O governador, Carlos Moisés (sem partido), sancionou sem vetos na quinta-feira (27/1) o novo código ambiental de Santa Catarina, feito pela Alesc a mando das indústrias de forma a afrouxar as regras e adequá-las à legislação federal para garantir segurança jurídica aos produtores. É considerada pelos deputados estaduais como a lei mais importante criada em 2021, ao mesmo tempo que suas implicações são massivamente desconhecidas pela população catarinense.

Com a sanção, Moisés permite, por exemplo, que a Polícia Militar Ambiental tenha parte de seu trabalho inutilizado por não poder mais multar os crimes ambientais, permite que as araucárias possam ser derrubadas (ainda sendo necessário criar um plano de manejo para o corte da espécie), permite que haja menos compensações ambientais efetivas. A principal articulação é reduzir a “burocracia” ambiental – como a maior parte da indústria enxerga as análises de impacto ao meio ambiente – a partir do aumento de licenças autodeclaradas e da expansão de atividades que não precisam de licenciamento.

natureza catarinense será reduzida com novo código ambiental
Natureza catarinense será reduzida com novo código ambiental feito pela Alesc – Lucas Cevenka/CSC

O que diz novo código

De forma geral o novo código ambiental (Lei 18.350/21) é orientado mais aos empreendedores, com menos pontos pró-meio ambiente. A nova lei tem sua maior parte como um grande glossário definindo os termos essenciais na questão ambiental, como o que é uma restinga, o que são áreas verdes urbanas e as definições de atividades econômicas. As definições deverão reduzir as dúvidas de operação e instalação sobre cada segmento.

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Principais mecanismos de controle sobre como utilizar o solo serão os espaços chamados de zoneamentos ecológicos-econômicos (ZEE) e o gerenciamento costeiro (Gerco). Esse controle foi recentemente anunciado pelo governo com a criação de um grupo entre secretarias que vai mandar nas questões ambientais em SC, chamado de Núcleo Interinstitucional para a Gestão e o Planejamento Ambiental do Estado de Santa Catarina (Nigeplam). O núcleo é presidido pelo secretário de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável e tem como membros funcionários do IMA, Fapesc, da Secretaria de Agricultura, Pesca e Desenvolvimento Rural e da Casa Civil.

Pelo novo código a Polícia Militar Ambiental também não pode mais dar multas quando flagrar crimes ambientais, apenas poderá atuar na esfera criminal nos casos mais graves. A esfera administrativa será de competência exclusiva dos funcionários do IMA, que terão a sobrecarga de trabalho para lidar com a degradação ambiental. É de se lembrar que nos anos da gestão de Moisés, especialmente após as tentativas de impeachment, o trabalho do IMA foi mais norteado em liberar licenças ambientais e reduzir autuações do que atuar em projetos de conservação ou recuperação ambiental. Essa política agrada entidades empresariais e, assim, os deputados estaduais. Diversos estudos de impacto ambiental mal formulados, que omitem informações relevantes de fauna e flora nos locais a serem ocupados, tendem agora a ser mais facilmente aceitos com a maior flexibilização.

Considerado mais moderno por aqueles que flexibilizaram o código (um “avanço”), a nova legislação também estabelece o greenwashing (ou pintar de verde, em tradução livre) em Santa Catarina, prática que consiste em fazer parecer que as ações tomadas são benéficas ao meio ambiente, valendo-se de termos genéricos para passar uma imagem de consciência ecológica. Há menções a programas de educação ambiental e estímulo às agroflorestas, ao mesmo tempo em que se fala muito mais na permissão às atividades econômicas. As atividades que não tiverem licenças continuarão a ser punidas, como loteamentos sem alvará, por exemplo. Porém, agora há uma facilitação muito maior para a instalação dos empreendimentos, seguindo a política nacional da bancada ruralista.

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Vitória industrial, derrota ambiental

O código é uma vitória dos setores produtivos e uma derrota para ambientalistas de Santa Catarina. A escolha política é pelo binômio emprego e renda em detrimento à conservação da natureza, lógica orientada pelas urnas.

Durante as audiências da revisão do código, poucos ambientalistas foram consultados e todos que se manifestaram afirmam que o novo código ambiental é menos favorável ao próprio ambiente. Governo e Alesc gostam de alardear que a foram mais de 830 propostas para o novo código e que houve uma representatividade na sociedade. 18 propostas foram aceitas. A discussão da nova legislação foi armada pelos deputados estaduais de forma a ocorrer mais em locais onde há mais entidades e produtores agrícolas, garantindo maioria nas assembleias, com diversos relatos de representantes agrícolas vitimizando-se pelas regras de proteção ambiental, assim como foi quando o governo estadual tentou reestabelecer imposto de 17% sobre agrotóxicos. Em maiores centros urbanos catarinenses não foram feitas audiências para se evitar a perda de controle sobre a pauta. Desse modo a Alesc conseguiu criar um clima favorável à criação de uma lei que permite com mais facilidade a supressão de mata nativa e a narrativa de que ambientalistas são burocratas insensíveis à sobrevivência das famílias agrícolas.

Na Alesc também não há deputados defensores da pauta ecológica, enquanto há dezenas de lobistas dos setores empresariais, o que se converteu em uma acachapante vitória industrial no novo código ambiental.

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78% já derrubado

Em termos de flora, Santa Catarina tem apenas 22% de sua cobertura original, a Mata Atlântica. Em termos de fauna a diminuição do bioma representa números ainda mais alarmantes, com cada vez menos mamíferos, aves, anfíbios, répteis e invertebrados. Com o novo código haverá um aumento do desmatamento, facilitando a ampliação de lavouras e pastos, assim como a instalação de mais empreendimentos de maior impacto ambiental.

O estado já contava com mecanismos de compensação ambiental frouxos, como a Instrução Normativa 46 do IMA, que permite em alguns casos a troca de floresta nativa por floresta de pinus e eucalipto. Com o novo código haverá uma carga maior de atuação de mecanismos não sustentáveis. O novo regramento é uma permissão geral para redução da natureza catarinense, em um estado em que a seca ano a ano fica mais severa, justamente pela retração do bioma.

Por Lucas Cervenka – reportagem@correiosc.com.br

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