Pequenas propriedades rurais de SC não precisam fazer recuperação ambiental

    Despacho do ex-ministro Ricardo Salles venceu batalha judicial em Santa Catarina com entendimento do TRF4 de que compensação ambiental tornaria inviável a agricultura familiar

    Pequenas propriedades rurais de SC não precisam fazer recuperação ambiental
    Propriedades de até quatro módulos fiscais (até 96 hectares, dependendo do município) foram eximidas da compensação ambiental em certos casos - Lucas Cervenka/CSC

    Pequenas propriedades rurais em áreas da Mata Atlântica que foram desmatadas em desacordo com as regras ambientais até julho de 2008 não precisarão fazer qualquer compensação ou recuperação ambiental. É o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), após votação na semana passada (em 3/12).

    A corte julgou um recurso dos ministérios públicos estadual e federal de Santa Catarina contra um despacho do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de abril de 2020 (a famosa boiada passando), que determinou que o código florestal incide sobre a Lei da Mata Atlântica. Isso significou que, na prática, propriedades rurais que fizeram a supressão a mais do bioma (que cobria 100% do território catarinense) não precisarão aumentar a quantidade de área preservada, uma vez que podem manter, em teoria, 20% da área como APP. Pela lei da Mata Atlântica as propriedades deveriam manter APP mais a reserva legal. Em 2012 o código florestal autorizou que essas áreas fossem a mesma.

    Após o despacho 4.410/2020 determinar qual legislação deve ser seguida, a Justiça Federal em Santa Catarina, em decisão do juiz Marcelo Krás Borges sobre recurso dos ministérios públicos contra o despacho, suspendeu a aplicação do entendimento do ex-ministro no estado de Santa Catarina. Na decisão, Borges obrigou que os órgãos ambientais estadual e federal (IMA e Ibama) não poderiam mais cancelar multas ambientais, não cadastrar imóveis rurais que derrubaram áreas de preservação permanente (cujo despacho permitia) e que não fossem mais concedidas licenças ambientais sobre APPs em Santa Catarina, dadas pelo IMA. Os dois órgãos ambientais recorreram então ao TRF4 contra a decisão do juiz federal em SC.

    Prejudicial à agricultura familiar
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    Para o desembargador Victor Luiz dos Santos Laus, presidente do TRF4, a decisão de anular o despacho (a decisão de primeira instância na justiça federal), causaria impacto econômico ao obrigar a revisão dos atos administrativos feitos a partir da autorização do despacho de Salles. Laus considerou que uma determinação judicial para correção dos atos seria uma interferência na ordem administrativa.+ A experiência com agrofloresta em SC que fez ressurgir o açaí catarinense

    O juiz também proferiu sua decisão afirmando que a aplicação da Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/2006) é prejudicial às pequenas propriedades rurais de Santa Catarina, que não podem suportar uma área de preservação ambiental e mais uma reserva legal e que, caso tivessem de fazer alguma recuperação ambiental, o ecossistema natural retomaria mais de 20% das áreas de cultivo. “Além dessa área, outra fatia de 20% de todas as propriedades deve ser destinada à reserva legal. Em propriedades pequenas, o que sobra não é suficiente para sustentar a manutenção de uma família no campo”, observou o magistrado. Laus referiu no voto uma pesquisa da Secretaria de Agricultura do estado de SC segundo a qual 57,6% dos imóveis rurais de até quatro módulos fiscais (pequena propriedade rural) deixariam de existir se fossem obrigados a fazer a recuperação ambiental conforme a Lei da Mata Atlântica. Os módulos ficais variam de tamanho conforme cada município, podendo chegar a 96 hectares em algumas cidades de Santa Caarina.

    O juiz citou que a “área consolidada” em Santa Catarina, isto é, as regiões desmatadas, ocupam 69,9% de todas as propriedades. Outros levantamentos apontam que esse percentual já está em 78%, restando apenas 22% de toda a Mata Atlântica em Santa Catarina.

    Na Alesc, a revisão do código ambiental estadual dará fim a essas disputas judiciais. Pela proposta de espelhamento do código florestal federal ao de SC, as pequenas propriedades serão eximidas de maiores responsabilidades e cargas de preservação, suplantando as leis ambientais que são vistas como economicamente inviáveis para a agricultura, principalmente a familiar.

    Representantes do setor ambiental alertam que, na prática, com uma política ambiental mais permissiva, a tendência é de uma supressão maior da Mata Atlântica, com menos sanções penalidades a quem não seguir as regras e sem qualquer relação com sustentabilidade ambiental.

    Por Lucas Cervenka – reportagem@correiosc.com.br

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